segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Dominique de Villepin: "(...)com vista sobre a Baía de Cascais(...)"


Num quarto com vista sobre a Baía de Cascais, num dia cinzento e húmido, Dominique de Villepin, diplomata de carreira e ex-governante francês, falou sobre o seu empenho num novo diálogo com os franceses, inspirado na experiência de Barack Obama.

Veio a Portugal ao Festival de Cinema do Estoril, falar sobre política cultural, e não confessa claramente o desejo de se candidatar como alternativa a Nicolas Sarkozy, seu rival político de há muito, nas presidenciais de 2012, embora seja do mesmo partido, a UMP. Mas formou um clube que o levará a fazer um “tour de France” político nos próximos meses. A 28 de Janeiro, conhecerá a sentença do processo Clearstream, em que é acusado de não ter revelado que era falsa a lista de nomes de políticos que receberiam subornos de uma empresa luxemburguesa, a Clearstream, e onde estava o de Sarkozy.

Mal saiu do processo Clearstream começou a relançar a sua carreira política. Quer ser uma alternativa ao Presidente Nicolas Sarkozy?
A minha preocupação é alargar o debate político. Apesar da ambição de reforma do poder actual, é importante manter um olhar crítico. As intenções podem ser boas, mas os resultados fazem-se esperar. É importante ter propostas, uma visão crítica, debater a situação real e as preocupações dos franceses. O que quero é debater os grandes desafios para o futuro dos franceses e da França.

Que faria de diferente de Sarkozy?
Na política exterior, sempre fui um fervoroso defensor da independência da França, e nesse sentido opus-me ao regresso integral ao comando da NATO. Estou também convencido que, como ponto de partida de uma nova política para o Afeganistão, é preciso preparar um calendário de retirada. O envolvimento dos países ocidentais no Afeganistão é hoje entendido como uma força de ocupação e por isso não responde aos problemas afegãos.

Se bem entendo, não seria tão atlantista como Sarkozy?
Hoje o debate já não é saber se se é ou não atlantista, mas se se obtém resultados ou não. Hoje, querer boas relações com os Estados Unidos e com Barack Obama, que se situa nos antípodas da Administração Bush, é ser capaz de dizer a Obama um certo número de verdades que ninguém lhe diz…

Por exemplo?
Sobre o Afeganistão, por exemplo. É claro que a politica americana está num impasse. Não há soluções para o Afeganistão que passem por uma movimentação de tropas ou pela força militar. E no Médio Oriente precisamos de envolver toda a comunidade internacional para criar um Estado palestiniano, apesar das reticências de Israel. Hoje, ter uma relação transatlântica forte é ser capaz de ter um debate com os EUA, respeitoso mas com propostas. Não é bater-se contra os EUA, mas oferecer-lhe perspectivas de acção.

E isso é uma estratégia para a França ou para a Europa?
O combate da diplomacia francesa junta-se ao da diplomacia europeia. Se a Europa tem dificuldade em afirmar-se na cena internacional é porque tem falta de ambição. Claro que estamos divididos em 27 Estados, mas falta-nos ambição e visão. Mas se os EUA e o mundo não são capazes de avançar, é em parte porque a Europa não consegue assumir as suas responsabilidades.

Tem algum nome a propor para o novo Presidente da União Europeia?
É muito difícil, vê-se bem que os líderes europeus querem escolher alguém que não lhes faça concorrência. Alguém que seja o mais discreto possível. Do que temos necessidade é de um Presidente da Europa nomeado pelos cidadãos da Europa. É a única maneira de uma personalidade encarnar o destino da Europa…

Em eleições directas?
Sim. Penso que é o futuro da democracia europeia. O sufrágio directo obrigará quem for eleito a envolver-se mesmo nos problemas do mundo.

E em 2012, pensa seriamente candidatar-se em alternativa a Sarkozy?
Estamos a dois anos e meio das próximas eleições presidenciais em França, a única coisa que digo é que o meu empenho nos assuntos públicos não é negociável e que defenderei as minhas posições em sede nacional. Veremos que forma tomará esse compromisso. Ainda é prematuro posicionar-me para uma candidatura presidencial. O que é importante é o combate quotidiano pelas preocupações dos franceses.

E quer escutar sobretudo a direita francesa?
Não, insiro-me na tradição gaulista, que está para além das divisões partidárias, da direita e da esquerda. Na vida das nações há assuntos que ultrapassam as fronteiras partidárias.

E o que é ao certo o Club Villepin, que tem organizado verdadeiros comícios e estará por trás daquilo que é anunciado como a sua “volta à França”?
No combate político é preciso organização. Nos EUA, com a eleição de Obama, vimos como os meios tecnológicos mudaram a maneira de fazer política. A Internet permite criar debate de proximidade com os cidadãos, uma relação entre o político e o eleitor que antes não existia. Por isso lancei um clube que tem por vocação defender o modelo social francês, o modelo republicano, reunir as pessoas com as mesmas convicções, a nível nacional e local. Nos próximos meses, eu próprio terei a oportunidade de ir a todo o território nacional para falar com os cidadãos.

E que pensa do debate sobre a identidade nacional lançado pelo Governo?
É importante que não se torne um debate contra seja quem for, contra o imigrante, contra o estrangeiro. Deve ser um debate por – pelo pacto republicano, por um pacto social, por um pacto cultural. Gostaria que dele saíssem coisas concretas: como garantir a cada francês a reforma, o que quer dizer hoje ser republicano, o que é a educação, a saúde para todos. Desejava que saíssemos da ideologia para nos concentrarmos nas preocupações concretas de cada francês.

E acredita que o debate irá por aí?
É difícil, porque penso que este debate tem uma vocação ideológica. Mas, mesmo que tenha nascido mal encaminhado, é possível dar-lhe sentido, e pode ter utilidade.

Em França há uma onda de escândalos – em Portugal também. Que reflexão faz sobre este lado obscuro da política francesa?
Num cenário de crise económica e social é sempre fácil agitar as águas com casos, escândalos. É importante ter serenidade, evitar ceder à tentação do esgoto. Há uma grande parte artificial nisto tudo, de polémica, de frustração, de política suja. Precisamos de uma justiça séria, independente, capaz de fazer o seu trabalho sem intromissões do poder político.

Considera-se o arqui-inimigo de Sarkozy, ou acha que ele o considera assim?
[Suspiro fundo, alguns segundos de silêncio] Penso que não há fatalidade em política. A vontade é mais forte. No dia a seguir ao encerramento do processo Clearstream, disse que queria encarar Sarkozy com as mãos abertas porque acho que não devemos deixar o rancor, o ressentimento, dominar a política. Tive a necessidade de demarcar o tempo do processo, o tempo da justiça, do tempo da política. Quero voltar a página, olhar para o futuro. Acho que é muito importante fazer um verdadeiro debate com os franceses. Não se faz política contra alguém, faço politica pelos franceses, para servir os franceses e servir o interesse nacional.

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